domingo, 8 de setembro de 2013

“A segurança pública precisa ser enxergada além dos mandatos políticos”


Ex-delegada-geral da Polícia Civil, hoje no comando da Defesa Social de Goiânia, diz que a violência só poderá ser controlada a partir de ações conjuntas e mudança na legislação
Fernando Leite/Jornal Opção
Secretária Adriana Arccorsi fala aos editores Euler França Belém e César Santos e ao repórter Frederico Vitor: "A oposição tem chance de vencer eleições e conquistar o governo"
Em meio à crise de violência e a uma série de crimes que chocaram a população — o assassinato de uma garota em Jataí por duas menores e uma chacina de quatro adolescentes cujos suspeitos têm a mesma faixa etária, por exemplo — a segurança pública de Goiás não pode contar com uma das figuras de referência nos últimos anos: desde o ano passado a delegada Adriana Accorsi está no comando da Secretaria Municipal de Defesa Social (Semdef), a convite do prefeito Paulo Garcia.
Não que ela não esteja envolvida com o tema: a pasta abarca a Guarda Civil Metropolitana — nova nomenclatura da Guarda Municipal — e faz a ponte entre assistência social e outras áreas da Prefeitura. Em sua gestão na Semdef, até pelo fato de sua origem na Polícia Civil, discute-se a questão da posse de arma para os guardas, assunto polêmico que divide a própria gestão.
Nascida em berço petista, Adriana aceita com bom grado a hipótese de disputar um mandato parlamentar no próximo ano, mas quer discutir o tema “mais para frente” — atitude prudente de quem não nega seu DNA político, originário dos movimentos sociais dos anos 80, quando, criança, caminhava junto com o pai, Darci Accorsi. O ex-prefeito de Goiânia, convalescente de uma cirurgia e tratando um tumor na vértebra, é alvo dos carinhos e de muitos elogios da filha nesta entrevista ao Jornal Opção.
Euler de França Belém — Anterio­r­mente a sra. havia feito um grande tra­balho como delegada e diretora-geral da Polícia Civil. Agora na Se­cretaria Municipal de Defesa Social (Semdef), em que consiste seu trabalho? O que sua pasta faz e está fazendo?
Esta secretaria é uma ideia bastante nova. Surgiu no Brasil nesta última década e aqui em Goiânia tem cerca de dois anos de funcionamento. Ela também é conhecida com outros nomes, como por exemplo, Secretaria da Segurança Cidadã ou de segurança aos direitos humanos. Porém, todas têm o mesmo objetivo, que é combater a violência por meio da prevenção de crimes, evitar que tais situações ocorram. A Semdef pensa em articular as forças de segurança, agregando Guarda Municipal, Defesa Civil e Assistência Social para uma nova forma de combater a violência, prevenindo e evitando o consumo de drogas e o envolvimento com a violência, trabalhando especialmente com as crianças. Outro órgão que foi destinado à nossa competência é o Conselho Municipal de Combate às drogas. Um dos recentes projetos que realizamos foi o Pipa Sem Cerol: chegamos diretamente ate as crianças e conscientizamos sobre os perigos que o cerol oferece para eles próprios e para a vida dos outros. Hoje estamos levando às escolas o programa de desarmamento infantil e implantando o projeto Parque Seguro e Sustentável, que visa colocar uma guarda fixa 24 horas por dia em pelo menos 15 parques na cidade. Em discussão está o projeto Iluminar, que pretende destinar guardas municipais dos Cais da cidade para acolher mulheres e crianças vítimas de violência doméstica e sexual. Assim, além do atendimento médico, já seria feito o encaminhamento para denunciar a agressão nas delegacias e fazer os exames no IML [Instituto Médico-Legal]. Os três projetos são feitos em parceria com a Guarda Municipal.
Euler de França Belém — Que outras ações sociais a Semdef trabalha?
Uma das primeiras ações nossa foi fazer um grande seminário com a presença da secretária Regina Miki, pessoa que admiro muito e estuda bastante essa área, viaja o País todo para conhecer a realidade, e ela veio falar para a gente qual poderia ser a contribuição do município na segurança pública. Foi um grande seminário, com mais de 700 pessoas, participação das universidades, da Guarda Municipal, líderes comunitários e outros. Concluímos que muito pode ser feito não só pela ação da guarda municipal, mas por uma série de outras ações transversais com as outras áreas, na saúde, na educação, para assim definirmos o trabalho de educação pela paz que estamos fazendo, com o projeto Anjos da Guarda, por exemplo. Com a Comurg, também, porque é necessária a iluminação pública nos bairros. Estamos mapeando os parques onde há mais criminalidade durante a noite, onde há violência contra a mulher, crimes sexuais, e essas ocorrências são maiores onde há mais escuridão e onde há necessidade de roçagem. Então precisamos fazer esses levantamentos cotidianamente e passar para as secretarias responsáveis para que se tomem as providências. A Semdef tem esse papel catalisador de todas as forças: da segurança, da saúde, da educação, da Co­murg, da Amma [Agência Municipal do Meio Ambiente] etc. É necessário ter uma secretaria nova pra fundamentar o trabalho que a Prefeitura tem desenvolvido no aspecto social e estamos construindo agora, no pensamento de que é um trabalho de longo prazo. Não se pode pensar que é chegar e resolver agora. O trabalho está sendo feito, o projeto Anjos da Guarda já está acontecendo, foi lançado o plano de cargos e salários, foi efetivado o fardamento. Em nossa gestão, houve a mudança de nomenclatura, para Guarda Civil Metropolitana, no sentido de nos alinharmos com a política federal. Por fim, no próximo dia 20, será lançado o projeto Parque Seguro.
Euler de França Belém — E qual o papel da Guarda Municipal? Quantas pessoas estão trabalhando nela?
Esse é um assunto que, inclusive, está sendo discutido em nível nacional. Existe uma PEC [Pro­posta de Emenda à Constituição] em andamento para definir exatamente qual o papel da Guarda Municipal. Em Goiânia temos uma legislação que promoveu a Guarda Municipal para Guarda Civil Metropolitana, o que possibilita convênios com as guardas de outras cidades da nossa região metropolitana. Em nossa cidade a guarda fica por conta de proteger e resguardar os patrimônios públicos: prédios, praças, parques, escolas etc. E para fazer um bom trabalho estamos promovendo uma reforma na estrutura da Guarda Municipal. Nessa semana o prefeito assinou um novo plano de cargos e salários para os profissionais da Guarda, que hoje são quase 1,5 mil pessoas e 60% delas têm curso superior. Esse plano significa, em um ano, um aumento salarial de 20%, data base, capacitação profissional e mais uma série de ações que visam valorizar a Guarda Municipal. Também estamos providenciando a compra de novos veículos para a frota, carros, motos e micro-ônibus. 
Euler de França Belém — Como a secretaria e a Guarda Municipal agem na questão do uso de drogas por crianças e adolescentes?
Nesse ponto trabalhamos com a ideia de conscientizar a criança, ensinando-a a recusar as drogas. Hoje a Polícia Militar tem o Proerd [Pro­gra­ma Educacional de Resistência às Drogas e à Violência] e a Polícia Civil, o Escola sem Drogas, que são trabalhos muito bonitos de conscientização mas atingem apenas os adolescentes. Por isso, temos o projeto Anjos da Guarda. Nele, estamos capacitando a Guarda Municipal, que aliás já está trabalhando nas escolas, para fazer essa conscientização sobre o uso de entorpecentes e sobre o envolvimento com a violência com as crianças de Goiânia, de forma maciça. Essa é nossa ideia principal: trabalhar com a prevenção. Mas, a secretaria também opera em Goiânia o projeto Crack, É Possível Vencer, em parceria com o governo federal. Vamos às ruas, apoiados no projeto Consultório nas Ruas, diretamente ao usuário de drogas, para tentar convencê-lo de se tratar e, se possível, dar início à recuperação. Para tornar o programa mais eficiente, estamos implantando 40 câmeras de vigia, duas unidades de monitoramento móvel, viaturas e armamentos não letais para ir até os locais onde estão as cenas de uso de entorpecentes na cidade e proteger as pessoas que usam as drogas das violências que elas sofrem, além de propor um tratamento e prender traficantes. É um projeto que existe desde 2011 e agora está sendo implantado em Goiânia, contando com o apoio das polícias Civil e Militar. Esse tipo de projeto é de extrema importância para evitar que os jovens caiam na violência. Foi o que ocorreu com o Thaygor, envolvido na chacina na Serra das Areias [Thaygor Henrique, de 18 anos, e outros três jovens, dois deles menores, são suspeitos de terem matado quatro adolescentes por motivação banal, em Aparecida de Goiânia]. Ele tinha um antecedente criminal enorme enquanto adolescente, não foi objeto de preocupação do poder público e até da família. Então acabou se reincidindo na criminalidade e se tornando cada vez mais violento. 
Euler de França Belém — Há pouco a sra. falou do projeto Iluminar, que consiste na presença da Guarda Municipal em postos da saúde para atender crianças e mulheres vítimas de violência. Qual a causa da violência contra a mulher?
Acredito que tenham duas causas mais efetivas. Por um lado, a impunidade nesses casos, o que é muito grave, e faz que as pessoas se sintam livres para cometê-los. Semana passada, um indivíduo matou a esposa a marteladas em Aparecida de Goiânia, se apresentou à polícia, confessou o crime e saiu de lá na mesma hora. Só daqui a algum tempo ele irá a júri popular. Esse tipo de acontecimento deixa a impressão de que nada é feito contra os agressores e, consequentemente, isso estimula o crime e atrapalha muito o combate ao problema.
Euler de França Belém — O índice de violência em Diadema, cidade do interior paulista, era muito grande, principalmente durante a noite. Hoje, a violência na cidade diminuiu muito. O que foi feito em Diadema?
É um caso que eu venho estudando muito. Uma série de ações que convergiram e provocaram o resultado que hoje é visto por todo o Brasil. O mais importante é que foi feita uma integração entre as forças de segurança — e é isso que estamos buscando aqui em Goiânia. O projeto em Diadema foi coordenado pela secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki. Por meio de várias reuniões que tivemos com ela, está sendo possível conhecer esses novos e bons projetos. Além da aproximação das forças de segurança, os projetos sociais que visavam à prevenção da violência auxiliaram bastante na redução do índice de violência na cidade paulista. À medida que a cidade unificou as forças policiais, investiu em aparatos tecnológicos e em projetos sociais de prevenção, em dez anos a cidade reduziu em 80% os índices de violência, principalmente homicídios. Temos nisso um modelo para nosso trabalho na cidade, claro que adaptando à realidade de Goiânia. E é necessário pensar nessa questão agora, porque os índices de roubos à mão armada, latrocínios e homicídios em nossa capital estão alarmantes. Imagine como podem estar daqui a dez anos.
Euler de França Belém — E essa questão de que a maioria dos homicídios está ligada às drogas? Será que é isso, realmente?
Por um lado, é fato que grande parte das pessoas que são assassinadas ou se envolvem com criminosos está ligada às drogas, como usuários ou traficantes. Porém, a questão deve ser aprofundada, os estudos têm de ser detalhados e não se basear somente nesse ponto.
Cezar Santos — E existem dúvidas quanto a essa relação entre os homicídios e as drogas?
O que a gente percebe é que a maioria dos casos tem razões primárias ligadas às drogas. Por exemplo, um garoto que morre por estar devendo a um traficante, em princípio, parece que foi vítima só das drogas. Porém, o abandono da família, a falta de acolhimento social, de atitudes para iniciar um tratamento e recuperar o garoto são outras questões que também influenciaram diretamente nessa morte. De forma superficial, a ligação entre os homicídios e as drogas, principalmente o crack, é real. Mas por trás têm muitos outros fatores que às vezes são ignorados. E não só os homicídios. Roubos, furtos, exploração sexual de crianças, todos esses crimes também têm relação com as drogas.
Euler de França Belém — O que a sra. acha do novo secretário de Se­gurança Pública, Joaquim Mesquita? Ele tem um plano para o Estado e para Goiânia? 
Para mim é difícil falar sobre o que planeja, já que trabalhei muito pouco tempo com ele. O dr. Joaquim é um homem esforçado, trabalhador, que se dedica muito à secretaria e que, inclusive, foi pego de surpresa com o convite para assumir o cargo. Mas, segurança pública não se faz de um dia para o outro. E eu vejo, como um dos maiores problemas da segurança pública, não só de Goiás, a falta de planejamento em longo prazo. E as políticas de segurança pública, por interferirem tanto na vida das pessoas, deveriam ter como norma serem conduzidas em médio e longo prazos. Não podem ficar presas à duração de um mandato político: elas têm de ter continuidade, ter um objetivo comum. O dr. Joaquim chegou em um momento de grande dificuldade, em que os investimentos na segurança são escassos e o crescimento do Estado é grande. Foi exigida dele uma ação emergencial, que, com todas essas dificuldades encontradas hoje, fica difícil de ser realizada.
Frederico Vitor — O efetivo de 1,6 mil pessoas da Guarda Civil não é pequeno para uma cidade como Goiânia, com tantos parques e instalações do município? 
É um efetivo razoável. É mais da metade do efetivo da Polícia Civil de todo o Estado, por exemplo. Mas, à medida que se implemente um trabalho de visibilidade, de presença, de segurança comunitária — como deve ser onde se faz necessário para dar segurança aos espaços públicos —, acredito que em breve teremos de aumentar o efetivo. Mesmo porque cerca de 200 guardas civis passaram no concurso das Polícias Civil e Militar, então vamos ter queda no nosso efetivo de pessoas capacitadas. 
Frederico Vitor — Quanto ganha um guarda municipal em Goiânia?
A média de vencimento hoje é de R$ 1.950,00 e esperamos que dentro de um ano tenha reajuste de 20% mais a data-base. 
Frederico Vitor — Essa guarda terá armamento letal? 
Desde que cheguei à Semdef, tenho sido pressionada para definir essa questão, talvez até pelo fato de eu ser policial. Estamos apresentando ao prefeito a proposta de um armamento experimental. Isso pode acontecer, mas dentro de um processo de capacitação, de fortalecimento da Corregedoria e da Ouvidoria, que já existem na Guarda Civil. Já conseguimos local independente para essas instâncias, que também serão fortalecidas com mais pessoal, e investimos muito na capacitação. Hoje, cerca de 8% dos membros da Guarda são altamente capacitados, depois de terem sido treinados na Academia de Polícia Civil quando eu fui chefe. Essa capacitação é até superior ao que o policial civil recebe hoje. Esse grupo já foi avaliado pela Polícia Federal e recebeu o porte de arma. Dentro desse processo de capacitação, com cidadania, noções de direitos humanos e outros conceitos, essa Guarda pode, sim, ser armada, se o prefeito acatar nosso projeto. 
Cezar Santos — Na gestão do ex-prefeito Iris Rezende foi desmobilizado o projeto Cidadão 2000 e nada foi colocado no lugar. Não falta uma estrutura semelhante para atender os menores em Goiânia?
Aquele programa fio criado por minha mãe [Lucide Accorsi] quando foi primeira-dama de Goiânia. Hoje temos o trabalho da Semas [Secre­ta­ria Municipal de Assistência Social], com a assistência social com as crianças, temos os CMEIs, há uma série de estruturas. Mas realmente, o Ci­da­dão 2000 foi uma estrutura inovadora, de parceria muito forte com a so­ciedade civil e na época conseguimos deixar Goiânia sem nenhum menino de rua. É bom observar que era um contexto diferente, não havia o crack, por exemplo. A complexidade hoje é muito maior. Mas foi um projeto muito bonito, premiado pela ONU e é claro que sou a fã número 1 dele. 
Frederico Vitor — Há reclamações de que a Guarda Municipal está localizada em local inadequado, ao lado da Comurg. Isso será resolvido?
Sim, o projeto arquitetônico está pronto, e a Guarda vai para um local no Setor Santa Genoveva, onde era o antigo Cine Canoeiro. Será construído o quartel da Guarda Municipal, que será modelo no Brasil, a sede da Semdef e a Guarda Civil. Hoje são estruturas separadas. Funcionando juntas, o trabalho será mais produtivo. Foi uma das primeiras questões que colocamos para o prefeito assim que assumimos. Nossa ideia é fazer parceria público-privada (PPP), talvez em uma troca com o terreno onde a Semdef funciona hoje. O prefeito quer iniciar este ano ainda a construção desse quartel, que será um dos melhores do Brasil. 
Euler de França Belém — Há uma crítica de que o governo federal não investe em presídios. O próprio ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] admitiu que não gastou o dinheiro que há disponível para isso e fez um mea-culpa. O PT não tem de reavaliar essa teoria de que todo o problema de violência tem origem social?
Sou um quadro da segurança pública e também petista. Por muito tempo entendi que o que levava à violência era a desigualdade social. Em aspectos de acesso à educação, a emprego e à condição de vida, isso ainda é verdade. Mas não se deve pensar só nesses aspectos. Quando temos crescimento econômico e ao mesmo tempo os índices de criminalidade também aumentam, acredito, sim, que temos de repensar. Temos de investir em quadros para a segurança, como a dra. Regina Miki, um quadro petista capacitado que é hoje nossa secretária nacional. Temos de investir em quadros assim em todos os Estados. E pensar projetos de médio e longo prazos para a segurança pública. Mas, em nível federal, o mais importante é mexer na legislação. É importante prever segundas oportunidades para quem comete crimes de menor potencial ofensivo, para que essas pessoas não fiquem presas, sejam soltas mediante fiança, sejam acompanhadas etc. Mas na prática de crimes graves, crimes contra a vida, contra a liberdade sexual, reincidentes têm de sofrer punição mais efetiva. A sensação de impunidade estimula o crime. Uma pessoa que pratica homicídio às vezes fica só um dia preso, isso é muito grave. Se a legislação favorece o criminoso menor, por outro lado tem de endurecer contra o crime violento. Quando chefe da polícia, eu fiz esta pesquisa: assaltante de carro a mão armada está ficando dois ou três meses preso em Goiás. Isso não é justiça, impossível que uma pessoa que coloca sua vida em risco dessa maneira, que pode atirar na sua cabeça por susto, pode atirar no seu filho ou pode sair com seu filho pendurado no cinto de segurança fique só dois ou três meses preso. Essa parte da legislação, que é federal, do nosso partido, precisa ser revista. A presidente Dilma Rousseff, sensível ao sofrimento das mães, das mulheres, tem de voltar os olhos para a questão da segurança agora, diante do sucesso na economia;
Cezar Santos — O que se observa é que governo federal assume uma posição muito cômoda de dizer, por exemplo, que os Estados não têm projetos. E aí fica com o dinheiro parado. O Ministério da Justiça tem estrutura, pessoal para ir aos Estados e fazer os projetos. Mas é mais fácil fingir que não é com ele.
A questão dos projetos é um problema histórico. Em muitas ocasiões houve projetos em que a verba veio — não estou falando de Goiás —, mas que tal verba não foi aplicada devidamente, ou não se soube demonstrar sua aplicação. Em nossa secretaria criamos um núcleo de projetos, porque acreditamos que isso é importante, temos que ter pessoas que saibam elaborar projetos exequíveis e demonstráveis. Concordo que, ao perceber a limitação dessas secretarias, seja necessário o investimento em capacitação, principalmente em funcionários efetivos das secretarias, para que tudo tenha uma continuidade, independentemente da gestão. Estamos nos candidatando a uma série de projetos nos editais abertos e já ganhamos em dois: o do videomonitoramento e o das viaturas, cada um no valor de mais de R$ 1 milhão. Ambos já estão em fase de licitação. Na questão dos presídios, tivemos prejuízos por conta da falta de projetos e uma parceria efetiva.
Cezar Santos — Há atritos entre as Polícias Civil e Militar, e a sra. mesma foi vítima disso no passado. A fusão da polícias seria boa para a sociedade?
Neste momento, por causa das gerações que existem nas polícias, por causa da formação muito diferente de cada uma delas e até por conta de certas rixas, a fusão não seria possível. Os líderes têm um papel muito importante para caminharmos rumo a uma integração, de trabalhar em conjunto. Isso é viável. Como chefe da polícia, eu trabalhei muito nesse sentido. Às vezes encontramos esse mesmo sentimento em muitos colegas e, às vezes, não. Falo tanto da Polícia Civil como da Polícia Militar, infelizmente há gente dos dois lados que não acredita nisso. Só que a população precisa disso. Temos um problema grave de efetivo, tanto da Civil, como da PM, como também da Polícia Técnica, que está comprometendo a qualidade do trabalho. A integração poderia levar a uma unificação no futuro, mas é preciso começá-la no dia a dia, a começar dos chefes, até chegar na outra ponta. Temos experiências assim no Brasil. Eu mesma, quando comecei em Turvânia e outras cidades, trabalhava sozinha com a PM, não tinha nenhum agente da Civil. E o trabalho fluía normalmente, nunca tivemos qualquer problema. Até pela dificuldade, pela falta de gente, cada um respeitava sua atribuição. Procurei criar uma parceria da Guarda Civil com a Denarc. Temos hoje uma série de ações importantes nas proximidades onde a Guarda trabalha — escolas, parques, Cais etc. Acredito na integração entre as polícias, mas a fusão é para um futuro mais longínquo. 
Euler de França Belém — Em alguns países, a polícia chega a ser municipalizada.
O mundo todo tem caminhando no sentido de, para algumas atribuições, haver a polícia municipal, que, no caso de Goiânia, seria a Guarda Civil Metropolitana. Justamente por conta dessa tendência, as atribuições da Guarda estão sendo discutidas no Congresso Nacional.
Euler de França Belém — A imprensa nacional fala que Goiás é o centro da pedofilia no Brasil. Isso procede ou é um preconceito contra o Estado?
Temos de observar dois aspectos com relação a essa questão. Primei­ramente, temos um trabalho bastante efetivo tanto da Polícia Federal como da Polícia Civil. Nesse sentido, modéstia à parte, tivemos uma pequena contribuição com a DPCA [Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente], que foi e é uma das delegacias mais atuantes do Brasil no número de crianças atendidas e de denúncias verificadas. Isso faz com que a população denuncie mais. O caso da garota Lucélia, que não foi pedofilia, mas um caso de tortura, mostrou isso. Tivemos centenas de denúncias, mais de 500, nos dias subsequentes, tanto de abuso sexual quanto físico. Foi um recorde e isso não ocorreu só em Goiás. Da mesma forma, quando a Xuxa revela o abuso que sofreu na infância, isso causa a multiplicação das denúncias. No caso dela, foram milhares, 200 mil denúncias. A atuação rigorosa da DPCA e de outras delegacias, como a da Mulher, faz com que haja essa maior visibilidade. O mesmo ocorre na questão, histórica em Goiás, do tráfico de pessoas. Existe uma máfia que era muito mais forte e que vem sendo combatida. Isso pode ter contribuído também para que houvesse efetivamente a ocorrência de mais casos, não só de pedofilia real, mas também virtual. Por exemplo: percebi no dia a dia como delegada que, por ter um grande número de mulheres que foram traficadas para o exterior e que deixaram aqui suas crianças, temos essas mesmas crianças como alvo preferencial de exploradores e pedófilos. Isto é real: elas são vulneráveis e os criminosos têm seu olhar voltado para essas crianças vulneráveis, cuidadas por avós ou tias. 
Euler de França Belém — O tráfico para a Espanha e para a Europa em geral diminuiu nos últimos tempos?
Acredito que sim, até por causa da crise econômica por que passam esses países e a Europa como um todo. Mas também isso é efeito do combate que vem sendo feito e do trabalho de conscientização, de que pude participar bastante. Houve ainda muitas prisões pela Polícia Federal no Brasil e também na Espanha. De qualquer forma, Goiânia e Goiás ficam como símbolo desse tráfico de mulheres, até por causa de casos graves, como das moças que foram levadas para a Espanha.
Euler de França Belém — Sobre o caso Valério Luiz, há por parte da defesa do principal acusado, Maurício Sampaio, a tentativa de desmoralizar o inquérito. É algo normal no processo?
O trabalho policial sempre desagrada a alguns, por causa do processo de descobrir a verdade. Portanto, em certa medida, é normal que haja esse tipo de reação e nós, delegados, temos de estar preparados para essas críticas e para a pressão. Isso é da democracia, faz parte, é um direito das pessoas. Mas, quando se tratam de pessoas poderosas, esse ataque é muito forte, ultrapassa mesmo os limites do profissionalismo e partem para o lado pessoal. É o que vejo nesse caso. Lembro-me de quando investiguei o caso Claret [o médico Antônio Claret foi acusado de abuso sexual contra crianças]. Sofri ataques e ameaças. No Brasil, ainda é diferente quando a polícia investiga pessoas poderosas. Acho que é o que está acontecendo nesse caso. Pelo que eu conheço da doutora Adriana Ribeiro, posso dizer que o trabalho de investigação foi muito sério, apesar de que, quando eu deixei a diretoria-geral da Polícia Civil, o inquérito ainda não tinha chegado à fase final. A polícia de Goiás é muito respeitada e sabe fazer bem seu trabalho. Temos de superar essa questão de ser mais difícil investigar ou condenar quando se trata de pessoa poderosa, pois não pode haver democracia nem liberdade onde alguém tenha tratamento diferenciado.
Euler de França Belém — A sra. teve a competência para desvendar um caso complicado como o da publicitária Pollyana Arruda. Por essa e outras investigações, as pessoas não a veem como “a filha do Darci Accorsi”, como ocorre com outros políticos. Já a sra. tem uma história própria, bem-sucedida. Talvez por isso, mesmo antes de a sra. pensar sobre isso, a imprensa já a citou como possível candidata a deputada estadual. A sra. estaria mesmo disposta a ser candidata à Assembleia, ou mesmo à Câmara dos Deputados?
Na verdade, minha vida pública não começa como delegada, mas já na minha infância. Eu já acompanhava meu pai ainda menina, nos anos 80, quando ele começava a participar dos movimentos sociais. Como ele, eu gosto muito de gente, de conhecer pessoas. Visitávamos muitas cidades do interior. Também fui uma das primeiras líderes do setorial de juventude do PT. Mas, para mim, sempre foi muito importante não ser só “a filha”. Por isso, eu via — e meu pai também — que eu precisava me afastar e construir minha carreira. Meu pai sempre me falou que era preciso que eu tivesse minha profissão para então participar da política, que era preciso ter conhecimento da vida. E o sonho de ser policial sempre foi muito forte em mim. Tanto que eu nunca fiz outro concurso na minha vida. Hoje, na secretaria, estou em uma experiência nova, dentro de uma gestão do PT, como meu pai também está. Mesmo assim, continuo falando com o pessoal da polícia, até porque sempre vou ser policial civil. Nesses 13 anos de polícia construí minha identidade e fortaleci meus princípios. Por exemplo, sempre tive uma grande preocupação com as crianças, talvez por ter tido uma infância muito boa, saudável, com muito carinho, e ver o quanto isso é importante. Como policial sei o tanto que podia e posso contribuir. A inauguração da nova sede da DPCA, onde eu trabalhei por tanto tempo, nesta semana, é muito gratificante para mim. A prisão de cada pedófilo valia a pena, pois eu sabia que estava ali salvando a vida de uma criança. Quanto a estar disposta a ser candidata, tento este ano focar na gestão e não em eleição. Sou filiada ao PT desde os 16 anos e nem quando meu pai saiu eu me afastei.
Cezar Santos — Mas a sra. tem vontade de ter um mandato na mão, para contribuir de outra forma com a sociedade?
Essa é uma grande questão. Como delegada, eu senti que contribuí muito, mas, às vezes, a gente sente que quer contribuir mais. Na chefia da polícia, pude andar pelo interior e ver as condições indignas dos policiais civis — e eu trabalhei em Turvânia, Palminó­polis, Firminó­polis, Nazário, Santa Bárbara, Roselândia, Bela Vista, Cristianópolis. Nesse momento, quem está na minha função sente a vontade de fazer um projeto, de conseguir mudar e melhorar aquela situação. Dá vontade de fazer algo mais abrangente. Se isso vai se efetivar com um mandato, é uma dúvida, mas tenho vontade, sim, por causa de todo esse conhecimento. Tenho muitas ideias no que concerne ao combate à violência contra criança e ao adolescente. Por exemplo, em Goiás — e falo daqui porque conheço — a pedofilia demora dez anos para ser julgada, mesmo que o pedófilo seja o criminoso mais reincidente que exista no mundo. E nesses dez anos foram milhares de crianças vítimas. Fora a questão da mulher. Essa mulher que teve os olhos furados pelo marido procurou a ajuda da polícia e não foi atendida, por que não temos os juizados especiais no interior, que atenderiam as pessoas imediatamente e da forma como deve ser. Como delegada, sinto o desejo de fazer algo mais abrangente diante desse conhecimento. E talvez isso seja possível.
Euler de França Belém — Como a sra. avalia a gestão do prefeito Paulo Garcia?
É tudo novo para mim, pois eu estava no Estado e aceitei o convite do prefeito por acreditar em sua administração. Ao me chamar para compor sua equipe com a ideia de fortalecer uma secretaria nova, foi um ato de coragem. A segurança não é obrigação do município, pois já existem dificuldades nas áreas em que o município precisar agir. E o fato de o prefeito se preocupar em abranger também a segurança municipal é uma demonstração de pensamento moderno. E acompanho a gestão, principalmente para conhecer a cidade. Fui com ele, por exemplo, acompanhar a construção de um CMEI [centro municipal de educação infantil] no Setor Real Con­quista. Acredito que a população ainda não esteja vendo — talvez pela dificuldade com a imprensa, que não noticia ações positivas —, mas lá encontrei uma construção de primeiro mundo. Acompanhei também a UPA [unidade de pronto-atendimento] do Jardim Itaipu, que possui uma grande estrutura.
Euler de França Belém — O PT deve lançar candidato a governador?
Acredito que precisamos fazer tudo em prol da unificação das oposições. Não é momento para vaidades. Claro que, como petista, eu gostaria que houvesse candidatura própria, mas acho que a unidade é mais importante.
Euler de França Belém — A oposição inclui também Vanderlan Cardoso (PSB)?
Em um primeiro momento, eu incluiria o PMDB. O Vanderlan já é uma conversa mais aprofundada. Mas acho que a oposição tem chance de vencer as eleições e conquistar o governo. A população quer mudança, principalmente de propostas e ideias. Eu quero participar da elaboração de um projeto inovador de segurança pública para Goiás, que irá ultrapassar as fronteiras de mandato. O maior erro das autoridades, não só de Goiás, é confundir a questão eleitoral com o trabalho técnico e profissional de segurança pública. Não se faz um trabalho bem feito de um mandato para o outro. O trabalho é em longo prazo. Claro que existem ações imediatas, mas elas não podem mudar de um governo para o outro. Elas devem ser mantidas.
Euler de França Belém — O trabalho de Ernesto Roller [ex-secretário de Segurança Pública], referente aos bares, seria uma dessas ações?
Essa foi uma ação pontual. Mas acho que esse é um assunto a ser discutido. Devemos, sim, pensar nas pessoas que trabalham nessa área, mas isso não impede a discussão do tema. 
Euler de França Belém — O ex-prefeito Darci Accorsi, seu pai, foi um ótimo administrador de Goiânia e passa por uma fase delicada de tratamento. Qual é a real situação dele?
Primeiro eu gostaria de dizer que administrar Goiânia foi uma grande honra para o meu pai. Ele e minha mãe chegaram do Sul. Ele veio para ser professor no interior de Goiás, apenas com uma mala e o violão da minha mãe. O que mais me lembro da época em que ele era prefeito é de sua alegria. Lembro que eu estudava Direito e às 7 da manhã ele já estava na Prefeitura. E só chegava em casa tarde, pois acompanhava as obras, tanto a noite quanto no fim de semana. E sempre feliz.
Euler de França Belém — O homem Darci é a imagem da felicidade. Ele é assim também em casa?
Ele é bastante parecido em casa com o que é fora dela. Meu pai é muito transparente. Fala alto, ri muito alto e ri sempre. Agora ele está lá doente na cama, mas estamos na cozinha do outro lado ouvindo a gargalhada dele. Sempre muito alegre, sempre carinhoso, ele é aquele pai que abraça muito, beija os filhos e é sempre muito próximo e muito preocupado. Ele sempre quer ver as netas, todos os dias. Ele tem duas netinhas que ele precisa ver todo dia, senão sente falta. Sempre foi um pai sempre próximo, muito amigo. Quando as pessoas veem que ele é assim, alegre, fala alto, é impossível não gostar dele. Meu pai sempre foi muito comovido com o sofrimento alheio, de qualquer pessoa, da mais humilde à mais rica. Ele é assim. Fiz no Dia dos Pais uma homenagem a ele na rede social, disse que ele é o melhor pai que eu conheci. Justamente por ser tão amigo e tão próximo da gente.
Euler de França Belém — Ele está com quantos anos?
Está com 68 anos, só agora que os cabelos começaram a ficar brancos.
Cezar Santos — Qual foi o problema de saúde dele, e como ele está agora?
Há cerca de dois meses ele começou a sentir fortes dores nas costas, na região lombar e na barriga. Eram dores muito fortes. Meu pai não é de reclamar de dor, como a maioria dos homens, ele sempre acha que é aquela coisa à toa que vai se resolver sozinha. Passamos, então, a levá-lo a vários médicos no sentido de descobrir o que era. Fizemos vários exames e isso demorou mais de um mês até que a gente conseguiu descobrir que ele estava com um tumor na oitava vértebra, após um exame de tomografia óssea. Esse tumor estaria comprimindo a medula e por essa razão ele estaria sentido essas fortes dores. Foram indicados ortopedistas, para depois ele ser internado, porque a dor era muito forte. Há duas semanas ele foi internado e na mesma ocasião foi feita uma biopsia desse tumor, enquanto ele permanecia internado. Depois do resultado da biopsia, descobrimos que se tratava de um tumor maligno, um adenocarcinoma. Prontamente foi marcada uma cirurgia para remoção, para, pelo menos, parar de pressionar a medula. Então foi feita a cirurgia, a qual foi muito preocupante para nós, já que ele tem pressão alta, além de ser uma cirurgia delicada e extensa. Nós ficamos preocupados, apesar da cirurgia ter sido um sucesso. Também foi colocada uma peça de platina na coluna para refogar aquela área da vértebra. Sendo um tumor maligno, ele vai passar agora por um tratamento de combate ao câncer. Provavelmente será radioterapia, porque a região parece que não comporta quimioterapia. Ele passará também por um oncologista. É claro que é triste receber esse diagnóstico, principalmente meu pai, que não me lembro de vê-lo doente.
Euler de França Belém — É verdade que ele já está andando?
Sim, já está andando. O mais surpreendente é que ele está andando — e conversando. Está confiante, falando de política e doido para voltar ao Paço. Ele gosta muito do prefeito Paulo Garcia, é muito agradecido a ele por tê-lo convidado para fazer parte da administração.  Ele é um petista apaixonado e está feliz pela melhora da avaliação da presidente Dilma Rousseff. Ele estava na cama do hospital e eu junto dele, lendo as notícias. De repente, ele tomou o tablet da minha mão para ler, entusiasmado, a notícia de recuperação da popularidade da presidente Dilma. Assim, também estamos confiantes na recuperação de meu pai. Ele diz que se sente uma pessoa querida, porque consegue sentir a energia positiva daqueles que gostam dele. Eu sempre digo para ele acreditar nele mesmo. Nossos parentes no Rio Grande do Sul estão mandando vibrações e orações. Ontem, depois da assinatura do plano de cargos e salários, os guardas municipais fizeram uma oração dirigida a ele. Ele é uma pessoa muito querida. Até mesmo por ter passado por tanta coisa e passado por tantos lugares, as pessoas têm muito carinho por ele. Ele está bastante confiante e pronto para fazer o tratamento. A única coisa que ele tem medo é de ficar careca, pois ele sempre diz: “não quero ficar careca, porque assim ficarei muito feio. Mas, se tiver de ficar, vai estar tudo bem”.
Euler de França Belém — Ele vai fazer o tratamento no Cebrom [Centro Brasileiro de Radioterapia, Oncologia e Mastologia]?
Sempre achei, como delegada, nos momentos em que eu lidava com as pessoas em momentos de an­gústia, que era importante tratar to­dos bem. Mas só fui entender a im­portância disso com o dr. Luis O­no­fre. A minha mãe teve câncer de ma­ma, sofrendo muito e passando por uma quimioterapia muito forte. E­la passava muito mal mesmo. Nis­so, vimos a importância de uma pessoa atenciosa. O dr. Luis Onofre é u­ma pessoa que olha seus pacientes com carinho e preocupação.  Ele tem nos acompanhado e foi ele quem nos indicou o Hospital Ortopédico.  l